A imagem do Bom Jesus foi encontrada em Touros, em fins do século XVIII
Por: Maria Antônia Teixeira da Costa,
Faz alguns anos que no dia da procissão do Bom Jesus dos Navegantes, sento-me em frente da casa de papai por volta das quatro horas da tarde de 01 de janeiro de cada ano e passo a observar todo o movimento do ser humano, panorama antropológico digno de reflexões e lições para a nossa vida. Esta casa tem uma localização central, pois fica em frente a uma das farmácias da cidade, de um lado o Grupo Escolar e do outro o Mercado Público. Desse modo, é possível uma excelente observação do que se passa ao longo da tarde do dia da procissão do Bom Jesus dos Navegantes na cidade de Touros/RN. Crianças bonitas, limpas, arrumadas, outras descalças, magras e sozinhas, homens jovens e velhos, pessoas vestindo túnicas vermelhas, brancas e marrons, como na antiguidade grega vão passando ao longo da rua em direção à Igreja. Pessoas almoçando na calçada ao lado, pessoas conhecidas, pessoas desconhecidas; algumas nos bares bebendo, outras voltando da praia, homens arrumando algumas barracas. Tudo é um vai e vem que se encontra em algum lugar, até mesmo dentro de você. Músicas enchendo o ar, e o pôr-do-sol que começa a ensaiar a espera da noite e a Terra vai baixando e o sol que brilha sem querer se apagar aos nossos olhos. Todo esse movimento antecede a procissão do Bom Jesus dos Navegantes em Touros.
Tradição que merece ser investigada, a procissão do Bom Jesus dos Navegantes de Touros/RN é um dos festejos católicos mais bonitos da cidade. Não temos conhecimento em registro oficial do período em começou a ser realizada essa procissão. O que sabemos é que as primeiras procissões no Brasil aconteceram no Brasil colonial (1500-1822). A esse respeito Câmara Cascudo fala de uma primeira procissão que aconteceu em Salvador em 1549, a Procissão de Corpus, realizada pelos padres Jesuítas que aqui habitavam.
Considerando que a imagem do Bom Jesus foi encontrada em Touros, em fins do século XVIII (PATRIOTA, 2000) e que a Capela do Bom Jesus estava construída em fins de 1800 e entronizada a imagem, por estes anos deve ter sido iniciada a procissão do Bom Jesus. Ainda, segundo este historiador, em 1832, com a criação da Freguesia do Senhor Bom Jesus dos Navegantes do Porto dos Toiros, advinda do desmembramento da Freguesia de Extremoz (Nossa Senhora dos Prazeres e São Miguel), a capela ganhou o predicamento de Igreja Matriz (PATRIOTA, 2000, p.249), bem como por ser a procissão uma das tradições portuguesa e termos sidos colonizados por eles, é provável que logo que foi erigida a capela e a imagem entronada começaram a ser realizadas as procissões. Claro que não poderia ser da forma que conhecemos hoje, deste modo, questionamos: que permanências e mudanças podemos citar entre as procissões de ontem e de hoje? Que diferenças e semelhanças nas festividades do final do ano na cidade de Touros/RN?
A festa do Bom Jesus da Paróquia de Touros-RN vai chegando aos primeiros de cada mês de dezembro e a cidade se prepara para comemorar mais um ano-novo, pois o ápice da festa é a barraca do dia 31 de dezembro. As pessoas pintam suas casas, compram roupas novas, móveis novos e até procuram se renovar como pessoas. Após a primeira celebração da noite, as famílias se reúnem na barraca ao lado da Matriz e se confraternizam com abraços, apertos de mão, choros, emoções, bebidas, comidas. São diversos reencontros, pois os tourenses que moram em outras cidades retornam para rever os parentes e comemorarem mais um ano que termina e outro que inicia.
Relembro agora de seu Lucas do Motor, Luiz Emídio da Costa, meu pai, nos idos de 1970, sentava-se à porta da casa situando à Rua Cel. Antônio Antunes e ficava a contar quantos carros chegavam à cidade. Revejo-me feliz pela roupa nova que iria vestir, pelas brincadeiras que iria realizar no parque infantil com suas baleeiras, a roda gigante, os balanços que eram a animação da criançada. Nestes anos eles se fixavam ao lado do mercado municipal da cidade, outras por trás do antigo posto da Telemar. As barracas com as mercadorias, santinhos, anéis, roupas, tudo que se poderia imaginar.
Os sinos repicam fervorosamente chamando os fiéis para a procissão, os foguetões explodem no ar e a banda de música começa e entoar cânticos religiosos. Sai à procissão. A imagem do Bom Jesus sendo carregada por homens, entre eles pescadores que se orgulham deste momento. O carro de som com alguém responsável pelas orientações para os fiéis. Acompanha a procissão dezenas de pessoas, algumas com pedras sobre suas cabeças, outras de pés descalços, outras ainda, vestidas com trajes como as roupas de São Francisco de Assis, outras com a farda de sua profissão. Elas pagam algumas promessas realizadas. Adiante a banda de música toca o hino do Bom Jesus dos Navegantes.
Hino do Bom Jesus dos Navegantes
1. Meigo e bom já suspenso no madeiro/Ostentado as agruras do sofrer/ Bom Jesus, Deus e homem verdadeiro/que por nós veio à terra padecer.
REF.: DIVINO BOM JESUS DOS NAVEGANTES / OS TEUS FILHOS PROTEGE COM VIGOR; NOS LARES OU NAS LIDAS OFEGANTES/SEMPRE SE GUIA, MESTRE E BOM PASTOR.
2. A coroa de espinhos na cabeça/torturando esta parte tão sensível/Nos ensine um amor que não feneça/crie em nós uma fé imperecível.
3. Estas chagas que a lança abriu no lado/perfurando o amante coração/cure em nós os afetos desregrados/Aumentando a virtude e o amor são.
4. Estes pés estas mãos dilaceradas/Nas agruras de atrozes sofrimentos/ao dever nos conduz, encaminhados/para o bem, pela lei dos mandamentos.
5. E do trono da cruz a dominar/ A Paróquia ouve o hino que ela entoa/Na cidade, nos campos ou no mar/os teus filhos protege e abençoa (Letra e Música: Pe. Antônio Antas)
Ao som deste hino entoado pelos fiéis, pela banda de música e pelo carro de som a procissão contorna as principais ruas da cidade de Touros. Em seguida, a imagem do Bom Jesus é levada até a beira da praia. Neste momento há uma parada e benção aos pescadores. Cenário belo a imagem do Bom Jesus com a multidão diante da imensidão do mar. Termina a procissão com a imagem entrando na Igreja e a celebração da missa.
A procissão do Bom Jesus é a culminância dos festejos que se iniciam antes do Natal e terminam no primeiro dia de cada ano que se inicia. É o momento onde negro, branco, rico, pobre, velho e moço, criança e adulto se unem em confraternização ao “Senhor Bom Jesus”. É o momento onde as diferenças sociais apesar de evidentes não fazem diferença. Neste dia, a cidade fervilha de pessoas, de vozes, de sentimentos diversos. A alegria é misturada a tristeza, a dor ao amor, a morte a vida. Ressurgem ao entardecer do dia primeiro de janeiro de cada ano esperanças de um mundo melhor, mais humano, cheio de paz. Que o Bom Jesus “nos ensine um amor que não feneça e crie em nós uma fé imperecível”.F. Folha do Mato Grande
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